Foto do cartaz do filme Reds
(ou de como a Televisão me deixou burro muito burro demais!)
O Vidiota, romance de Jerzy Kosinski consegue resumir toda uma população em um único personagem. E consegue mais que isso. Ao tratar de um menino órfão, criado isolado do mundo, tendo por companhia um jardim para cuidar e uma televisão para assistir, o autor sintetiza uma gama de pessoas escravizadas pela mídia, que não conseguem viver senão diante da tela. E é na tela que se vêem espelhados, na tela onde não buscam respostas para nada, apenas se anestesiam pelo brilho do aparelho e seus recursos de sedução.
Em termos de literatura o trabalho é de uma simplicidade que chega a dar nos nervos. Uma narrativa morna, que a todo instante dá pistas que irá esfriar. No entanto, o leitor é compensado com uma história vigorosa, com um quê de profética.
O livro é fácil de se ler, mérito que se deve a narrativa linear, de linguagem simples e fluente. Existe, aliás, uma bem sucedida adaptação para o cinema – roteiro premiado, adaptado pelo próprio Kosinski. Aqui no Brasil o filme, que tem Peter Sellers no papel principal, se chama Muito Além do Jardim. As curiosidades cinematográficas não residem apenas no fato dessa película ser o último trabalho de Sellers. Kosinski, que viria a se matar no ano de 1991, aos 60 anos de idade, fez o papel do revolucionário soviético Grigory Zinoviev no filme Reds, de Warren Beatty. Kosinsk era polonês, naturalizado americano.
O livro é de 1971 mas poderia ter sido escrito agora, nas costas do último Big Brother ou de outro reality show qualquer. Ao falar de um homem que foi educado pela TV, que tem no controle-remoto o poder de mudar o rumo de sua vida a todo instante, a obra acaba retratando com fidelidade assombrosa o poder da mídia de criar os seus ídolos.
O enredo é simples: numa dessas fabulosas manobras do destino, Chance tem seu nome citado na TV pelo presidente dos EUA, o que o torna a figura central de um país em crise, que busca na figura emblemática do jardineiro as respostas para todos os problemas do mundo. Porém Chance não passa de um homem inculto, que não sabe ler e desconhece qualquer coisa que não seja a poda da grama, o combate às pragas, e a aplicação do adubo. A proximidade com o que vivemos não é mera coincidência. Frei Betto nos fala dos imergentes, ou melhor, os novos-pobres, “classe alijada do acesso à terra ou à casa própria” que são “clientela cativa de astrólogos e tarólogos, cultos neopentecostais e orixás, literatura de auto-ajuda e movimentos esotéricos”. A TV exercendo fascínio sobre eles com suas fórmulas empacotadas e entregues para todo o Brasil num piscar de olhos. Figuras criadas nos estúdios, em edições de imagens, sem discurso nenhum, mas que se bastam tendo um fim em si mesmos, representado-os in veritas.
Não é isso que vem fazendo esses programas? Apresentando nulidades a serem seguidas como exemplo no campo da moda, do comportamento, etc? Não é isso que vem fazendo cada um dos dez ou doze canais disponíveis gratuitamente: forjando com o pior dos metais os heróis que serão noticiados nos jornais ao lado de matérias que eles sequer compreendem, sendo semanalmente capa de revistas que não lêem?
Ainda hoje mesmo temos programas catapultando os novos cantores, que se não estivessem na telinha nunca chegariam a gravar um CD. Temos, três ou quatro vezes por dia, programas promovendo ao vivo, nos telejornais, nas competições esportivas, aquelas que amanhã estarão nuas nas revistas pornográficas, rendendo milhões e milhões para a indústria da masturbação. Essas existindo apenas diante das lentes objetivas, cobertas de maquiagem e restauradas através do photoshop! Recursos capazes de corrigir qualquer incomunicabilidade possível.
Jerzy acaba por tratar desses personagens que não existem de fato. Simulacros criados pela mídia para atender as suas necessidades de mercado e que muitas vezes vão além desse propósito – sem nunca deixar de existir apenas enquanto imagem gerada pela TV e por ela modelada.
O que ocorre com Chance, nosso humilde jardineiro, ao ser seriamente cogitado para uma cadeira na Casa Branca não deve ser novidade com algo ocorrido aqui no nosso lado do hemisfério. O link é inevitável.
A leitura é válida. E valiosa.
Camaradas, há um ensaio na Net, disponível em e-book, que se chama “Ser Nada – George W. Bush: um Simulacro Presidencial”, de Carol V. Hamilton, que eu recomendo. Não só recomendo como acho que se trata de uma leitura obrigatória. Trata-se de um trabalho que faz um paralelo entre Chance e Bush, tratando com muita propriedade da inexistência de ambos! http://www.livrosdeareia.com/sernada.htm
Outras leituras sobre mídia:
Manifesto Potencialista, vários autores
Cidadão Kane, filme de Orson Welles
Muito Além do Cidadão Kane, documentário da BBC de Londres
1984, livro de George Orwell
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